sábado, 31 de janeiro de 2009

O Bicho

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Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
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Manuel Bandeira (1886-1968)
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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Armillarias no jardim

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Era visto. Os gnomos do jardim nom podiam tardar em construir as suas próprias casas. Habilmente camufladas como cogumelos comuns, mas nom enganam ao olho experimentado.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Calexico (e algumas outras lembranças)

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Hai mais de 40 anos que os californianos Love introduziram ventos mariachis no pop/rock; o resultado foi uma das canções mais bonitas de todos os tempos, "Alone again or". Parece raro que essa via nom tenha sido mais explorada desde aquela. Um dos poucos que se animam a elo, e com bastante acerto, é a banda de Tucson Calexico. Por isso foi um bonito detalhe que remataram a primeira parte do seu concerto versioneando, precisamente, "Alone again or".

Foi o passado 16 de janeiro de 2009, no teatro Caixanova em Vigo - uma fantástica sala cuja única pega é... que é um teatro, e portanto hai que estar sentado, nom vendem cerveja, nem se pode fumar. Mas estes som pequenos inconvenientes quando a câmbio se pode desfrutar de um som impecável e uma boa vista do escenário. Agradece-se especialmente a possibilidade de desfrutar em boas condições das sonoridades de uma banda como Calexico, que incluindo guitarras, contrabaixo, bateria, vibráfono ou trompetas pom todo o empenho em regalar-nos as orelhas com matizes. Como dixo o cantante, um loquaz Joey Burns, "If we could bring more instruments, we would. But we can't". Por certo, apesar do carácter fronteiriço da banda, que inclui recitados em castelhano nalguns temas, Joey nom sabe mais que umas poucas palavras nesse idioma. E nom me sorprende, é que os gringos som assi.

Enfim, todos estes ingredientes fôrom misturados com acerto e precisom, num concerto pletórico e convincente que nom chegou ao tédio em nengum momento. Nom se notou a "intrusom" de Depedro, o teloneiro que se excedeu no seu papel e participou do concerto como um membro mais: mui generosos fôrom os de Calexico com el, pois o escenário lhe vinha grande e às vezes nom sabia onde meter-se. E olho, que tamém o acompanhárom durante parte da própria actuaçom de Depedro, dotando as suas canções dum empaque instrumental que ainda assi nom as salvava: lembra a Pau Donés, imaginem-se.

Mas aqui estavamos para falar de Calexico. E Calexico o que fixo foi repasar a consciência a sua discografia, sem obviar os (poucos, esse é o seu ponto fraco) dos seus temas que resultam verdadeiramente memoráveis. Assi soárom as minhas favoritas, como as incluidas no seu último disco Carried to Dust (2008): "House of Valparaíso" ou "Two Silver Trees", esta com uma fermosa explicaçom sobre o seu título -um verso dum poeta vezinho, sacado do seu contexto original. Tamém hinos anteriores como "He lays in the reins", que perde algo, inevitavelmente, sem a participaçom de Iron & Wine. Esta reservarom-na para o segundo bis, i é que o concerto foi longo para o que se estila hoje em dia e chegou aos 100 minutos. Assi dá gusto!

Nota:

Agora que fago memória lembro outras duas visitas, relativamente recentes, de autênticos monstros da música americana atual. As duas, por alguma razom (basicamente: a preguiça e a falta de fotos com as que acompanhar a crónica) nom fôrom resenhadas neste blog, que deixou assi de cumprir uma das suas funções: a de fazer de pequeno diário onde anoto as minhas experiências musicais. Polo menos mencionarei-nas agora, já que é um chisco tarde de mais para fazer a crónica: foram os concertos de Vic Chesnutt + Elf Power (19 de setembro de 2008), e Bonnie Prince Billy + Faun Fables (3 de abril de 2007, uma crónica aqui). Ambos programados nalguma ediçom do Festival SinSal, ao que tantos bós momentos lhe temos que agradecer. Estiveram mui bem, e curiosamente, ao igual que no de Calexico, em ambos o papel dos teloneiros nom se limitou a tocar antes que o artista principal, senom que tamém o acompanhárom sobre o escenário. Com melhores resultados que Depedro, todo hai que dizé-lo.

Infelizmente, nom cheguei a tempo de ver a Elf Power -uma banda que me encanta, ao igual (pero mais) que outras do colectivo Elephant 6. Vinha de viagem desde Murcia, e sorte tivem que o aviom nom tivo apenas retraso e cheguei para ver a Vic, um fenómeno. Bom concerto, abofé. E ainda melhor, se cabe, foi o de Bonnie Prince Billy, do que curiosamente lembro maiormente anécdotas extramusicais: uma, que Faun Fables (por certo, uma revelaçom de grupo: realmente especiais, valem a pena) começaram a sua atuaçom cantando a capella desde o corredor central do teatro. E outra, as explicações de Will Oldham entre cançom e cançom, nom exentas de humor. Como quando contou o chiste sobre o Ohio River: apresentara "Ohio River Boat Song" -um clássico tema dos primeiros Palace Brothers-, e alguém desde o público berrou "Uou! Ohio!". El aclarou que nom era Ohio, senom o Ohio River: o rio que separa o estado de Ohio (ao N.) do de Kentucky (ao S.). E, oriundo de Kentucky como é, lançou a pulha, com jogo de palavras incluído: "Do you know why Kentucky doesn't fall from the map? Because Ohio sucks". Isto é apenas uma anécdota, por suposto. O importante é que o concerto fora grandioso, pois o cancioneiro de Mr. Oldham é já um cordal inçado de cumes e com o seu talento interpretativo lhe sobra com uma guitarra para remover-nos os alicerces. E se o fai acompanhado de uma voz como a de Dawn McCarthy, ainda melhor.
Ai... e já vam quase dous anos desde isso... como passa o tempo!

domingo, 11 de janeiro de 2009

De como Pedro e Violante perdérom a sua casa

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(Ou de como o tijolo sempre ganha)

A horta de Murcia está infestada de apartamentos. Casas como a de Pedro e Violante, com limoeiros, galinhas e coelhos, estão "chamadas a desaparecer", como afirma o Concelho de Murcia. Pedro e Violante, de 89 e 84 anos, acabam de perder, após meses de batalha judicial, o direito a seguir na vivenda que habitam desde 1946. A Seção Primeira do Contencioso do Tribunal Superior de Justiça de Murcia corrigiu ao juiz que lhes dera permisso para seguir ali porque num apartamento -onde os realojava o consistório- perigava a sua saúde.


No passado mês de Novembro, Pedro Camacho explicava na sua casa como em 1973 foi operado em Barcelona. Num passeo polo hospital subiu a um elevador. "Fum para cima e para baixo até que alguém me ensinou a sair. Não voltei a subir a um." Sempre tem vivido numa casa baixa, na horta. Mas o município planificou através desta uma avenida de seis vias, de importância vital para os milhares de casas da área.

O 26 de abril de 2006, a cidade acordou expropriar os 232,05 metros quadrados da casa de Pedro e Violante. Foi taxada em 163.034 €, com o que deviam pagar um aluguer por 18 meses e com o restante poderiam optar a um apartamento protegido.

O 10 de maio de 2007, os técnicos deram-lhes cinco dias para despejar a casa. Começavam as obras. No dia 14 de setembro, com o trâmite de expropriação avançado, o seu advogado, Eduardo Salazar, provou uma manobra à desesperada: pediu parar a expropriação por motivos de saúde. Apresentou um relatório médico sobre os octogenários. Padeciam uma "sintomatologia ansioso-depressiva: pensamentos recorrentes e intrusos sobre a expropriação, falta de apetito e alterações do sonho, oscilações anímicas, mostram-se assustadiços, com sensação de irrealidade". Pedia que em vez de um apartamento, o concelho lhes desse "uma casa parecida, humilde mas na horta". O juiz, numa decisão surpreendente -por humana- deu-lhes a razão o 2 de novembro e paralisou o realojo. Desde então, a sua casa é uma ilha num mar de guindastes. O concelho recorreu ao Tribunal Superior: "Está-se condenando ao concelho a buscar casa na zona, cousa difícil já que é uma zona de crescimento da cidade, onde as vivendas de similares características estão chamadas a desaparecer".

O tribunal, numa sentença notificada na quarta-feira, deu a razão ao consistório. Mesmo que admite que "o abandono de sua vivenda pode ocasionar prejuízos" à parelha, sinala que a "vivenda foi expropriada e necessariamente hão de abandoná-la". A sala pide que sejam os familiares os que lhe busquem "uma vivenda similar". "Não parece que mantê-los numa vivenda numa zona em obras contribua a essa forma de vida que é conveniente à sua idade e circunstâncias". Além disso, destaca o "prejuízo ao interesse geral" que estão ocasionando Pedro e Violante.

Contra a sentença não cabe recurso e Pedro e Violante devem pagar as custas do procedimento. A sua família explicou ontem que conseguir uma casa semelhante custaria mais dinheiro do que recebérom porque é preciso comprar uma taúlla* de terreno. "Eles estão abatidos. Sentem-se humilhados. Pedro di que parece que estamos nos tempos de antes," explicou um parente. O tijolo volta a vencer.


*: Unidade de medida de superfície própria da regiom murciana, equivalente a um par de ferrados [Nota do T.].

Originalmente publicado em El País. Tradução própria.