sábado, 28 de maio de 2011

Por que me gusta o ciclismo



Ai, o ciclismo. Um deporte em grande medida inexplicável, que pode chegar a ser tam apaixonante como tedioso. Uma atividade esquizofrênica, heróica e miserável, própria de tipos com um cerebro calculador e outro temerário. A tirania dos “pinganilhos” compartindo asfalto com as arroutadas suicidas. Entendo aos que pensam que a visom do pelotom é só uma boa escusa para dormir a sesta entreolhando paisagens alpinas. Mas sei que também contém uma semente de grandeza que esporadicamente consegue germinar. E quando o fai (num estoupido que te ergue do assento e justifica as horas passadas fronte o televisor), adoita ser por mor da bendita loucura dum feixe de iluminados fanáticos. Heróis às vezes quase anônimos, como Manuele Mori, cuja fotografia ilustra este post. Um desses sempiternos perdedores aos que chamam gregários, e que aos seus 31 anos só conta no palmares com uma vitória, na nada prestigiosa “Japan Cup”. Mas que um dia, como lhes passa a quase todos, tivo a sua grande oportunidade de tocar a glória, uma glória modesta pero glória à fim e ao cabo. Mas, igual que lhes passa a quase todos... não o conseguiu. El conta-o assi:

“Esse dia todo era perfeito. Todo quadrava. Estava ali a minha moça, e também meus avós, todos. Colhim a fuga. Éramos cinco. Baixando o Bracco, a sete kilómetros da meta, eu sentia-me tam bem que cria que voava, cria que ia ganhar a etapa, um grande dia, uma etapa no Giro. Entom, numa curva mal tomada, voei de verdade, voei por em cima do guardarrail e caim por um barranco. Felizmente, nom tinha nada. Atopei a bici, voltei à carreira, um freo nom me funcionava, a roda traseira estava feita um oito, mas ainda assi nom ia render-me, alcancei o grupo da fuga e nom me conformei, estava quente de verdade, ataquei-nos. Fum-me só. A kilómetro e meio da chegada sacava-lhes 10 segundos. Depois disso, nom tenho nem idéia de nada mais. Só do apagom. O único que podo dizer é que tinha o casco partido em dous, que tinha todo o corpo machucado... e que nom ganhei”. E continua: “Passárom quatro anos dende aquela e nunca tivem uma oportunidade parecida. O meu pai foi profissional e ganhou uma etapa no Tour de 1970, e meu irmão Massimiliano também foi ciclista e tampouco ganhou nunca uma carreira profissional. Nesta família estamos condenados a sufrir. Mas espero que meu filho também seja ciclista”.

Ante isto só podo fazer minhas as palavras de Willy, o jardineiro dos Simpsons: “nom chorei quando aforcárom a meu pai por matar um maldito cocho, mas chorarei agora”. E engadir que quero um pelotom de 198 Moris na Volta a Arbolícia! (e nengum Sastre, se pode ser).

Esta história e moitas mais conta-as o grande Carlos Arribas num fermoso texto publicado em El País. De ali saco também estas verbas de Rasmussen, que ao meu ver resumem a essência do assunto por se é que alguém ainda nom o entende:

“A beleza do Tour é que é, foi e sempre será um desafio entre iguais. Vai de saber quem está preparado para sofrer mais, para fazer-se mais dano a si mesmo, e assi é como deve ser. Essa é a pureza do assunto. O ciclismo é para mim um assunto existencial. Nem mais, nem menos.”

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