terça-feira, 21 de julho de 2009

O neno imigrante que dava de comer aos passaros

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Durante a primeira metade do século XX, milhões de imigrantes fôrom retidos na ilha de Ellis para ser inspeccionados antes de se lhes permitir a entrada nos USA. Uma história de sobras conhecida por todos (ainda que só seja por ter aparecido n'o Padrinho II). À maioria deles permitia-se-lhes entrar despois duns dias, mas a incerteza e os tests (médicos, psicológicos, legais) a que eram sometidos fazia da espera um transe angustioso. Aproveitei a minha recente estadia em Novánglia para visitar a ilha, onde lim o testemunho de Oreste Teglia, quem estivo retido em Ellis em 1916, com 13 anos. Lembrava-o assim em 1985:

"Davam-nos flocos de aveia para almorçar, e eu não sabia o que eram, levavam açúcar moreno, já sabes. Eu não me afazia a comé-los. Assim que os deixava na janela, para que os comeram os passaros."



domingo, 21 de junho de 2009

TV On The Radio (HOB, Boston, 4 de junho)

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Regresso à House Of Blues, esta volta (si!) com a cámara de fotos disposta para inmortalizar o concerto de TV On The Radio. Abriam os seus vezinhos de Brooklyn, os Dirty Projectors, de quem não ouvira mais que alguns mp3 no seu myspace. De primeiras pareceram-me interessantes, uma banda ajeitada para telonear este concerto, por frescos e -até certo ponto- originais (esses toques africanos...). Mas ao vivo não me parecérom nada do outro mundo, e ao rematar a sua actuação a minha sensação era que nem fu nem fa.
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Todinho o contrário que TV On The Radio, que levárom o seu direto a cotas de intensidade que nunca percibira nos seus discos. Começárom ao seu ritmo, sabedores de que o encontro durava 90 minutos e não podiam sair a matar desde o princípio; mas ainda assi ficou claro desde a primeira canção que jogavam numa categoria moi distinta à dos Dirty Projectors: a avalancha sónica que se nos vinha em cima era de campionato. Para quando atacárom o tema de apertura de Dear Science (2008), "Halfway Home" (pa-pa-ra-pa-pa-pa-pa-ra-pa-pa), o concerto estourou definitivamente. Seguirom com uma visita ao anterior Return to cookie mountain (2006), esse tralhazo que é "Wolf like me", talvez um dos melhores singles de rock da década. Despois, como não sempre se pode ir cara arribe, deixárom-nos respirar um momento com o soul de "Crying"...

Adebimpe

A banda funcionava como um motor perfectamente engraxado; seria difícil destacar a algum membro, se não fora porque é impossível não fixar-se em Tunde Adebimpe, o cantante-teclista: como vocalista é moi bom, mas de presença vai sobrado. Que forma de mover-se e de mover-nos a todos! Mas claro, estão também às guitarras Sitek e de Kyp Malone (o inconfundível barbudo com quem, casualmente, me cruzara umas semanas antes polas ruas de Brooklyn); e que dizer da seção rítmica...

Bises junto a Dirty Projectors

Soárom também "DLZ" ou "Dirty Whirl", e não se esquecérom de visitar o Desperate youth, blood thirsty babes (2004) com "Staring at the sun". E completárom um concerto sobresaínte deixando para os bises uma das minhas favoritas, a fermosa "Family Tree" (We're hanging in the shadow of your family tree / Your haunted heart and me / Brought down by an old idea whose time has come / And in the shadow of the gallows of your family tree / There's a hundred hearts soar free / Pumping blood to the roots of evil to keep them young). Insisto: tremendos.

sábado, 13 de junho de 2009

Matthew Day Jackson: The Lower 48

Na série "The Lower 48", Matthew Day Jackson visitou 48 estados fotografiando rochas antropomórficas, com um resultado francamente arvorícola (lembra por vezes a Swamp Thing). O resto da sua obra tem pouco a ver por isto, mas polo que pudem ver na expo do MIT List Visual Arts Center, é igualmente interessante. Para comprová-lo, recomendo visitar a primeira ligação, à galeria Saatchi.





sábado, 6 de junho de 2009

Baleas

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No santuário de Stellwagen, a escasas milhas da costa de Novánglia. Não hai mais que colher o barco e dar um curto passeo...
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... e não tardamos em atopar uma parelha: uma nai com a sua cria.

São baleas jubarte (Megaptera novaeangliae), "humpback whales" em novánglio, "ballenas jorobadas" em castelão.


Por ali resopla!
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Marchando um saúdo para os mamíferos terrestres:


Dias despois chegariamos a albiscar mais baleas desde a própria costa, numa praia de Cape Cod. Sei que é um tópico, mas acho que as fotos não lhes fam justiça. Ver estes seres tão grandes, calmos, destemidos, passando duma banda do barco a outra... curiosa existência a dos nossos irmãos marinhos

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Animal Collective (House of Blues, 14/05)

Um lenço com o patrom psiquedélico da portada do Merriweather Post Pavillion (2009) pendura ao fondo. Os teclados e maquinilhos vários estão cubertos por telas brancas sobre as que se projectarão formas e cores. Um gigantesco globo branco colocado com a mesma finalidade levita sobre o escenário. Todo preparado para uma das mais prometedoras experiências sensoriais que podemos pedir à música actual: um concerto de Animal Collective.

De esquerda a direita, colocam-se Geologist, Avey Tare e Panda Bear (Deakin segue de sabático), e começam a fuchicar nos cacharros. Já com o segundo tema, “Summer Clothes”, chega a primeira apoteose. O ritmo irresistível desta canção, a minha favorita do último disco, consegue pôr a toda a sala a bailar. E é que Animal Collective, em certa medida, estão a fazer música de baile, ou polo menos um dance pop genuinamente do s. XXI. E ao público encanta-lhe... é curioso como uma música tão original, persoal e intransferível pode conectar a este nível com tanta gente. Porque Animal Collective são verdadeiramente únicos, e ainda que quando os escoito não podo deixar de pensar “mas que doado... como ninguém provara a fazer isto antes?”, quando para a música penso “mmm... mas como era que faziam eles?”. E o que é que fam? Psiquedélia? Alt-folk? Electrónica? Post pop? Dança tribal? Nada disso, por suposto. Então... que? Melhor não pensá-lo muito e limitar-se a escoitar.

Outro momento cume da noite veu com “Peacebone”, o single de Strawberry Jam (2007). O grupo soubo espaciar moi bem alguns longos delírios instrumentais entre os temas de feitura mais pop, com o que o concerto fluiu sem costuras entre os estribilhos com resonâncias Beach Boys e os arrebatos de puro e gozoso ruído. A derradeira catarse tarareável chegou com “Brotherspost”, já nos (generosos) bises. Grande concerto, si senhor; quem queira saber mais ou menos como foi, pode escoitar aqui em NPR o podcast do show que dérom uns dias antes em Wahington DC. Eu ainda não o fixem, mas acho que foi bastante parecido.

P.S. 1. O teloneiro foi Grouper, um rolho moi, moi atmosférico, uma espécie de My Bloody Valentine em tranqui, sem ruido nem melodias. Si, já sei... é como dizer “nada”. Talvez por isso os únicos aplausos que escoitou foi quando se pirou. Não lamento ter chegado tarde à sua parte.

P.S. 2. O concerto foi na House Of Blues, um sítio bem curioso. Realmente são uma franquícia, tenhem várias salas similares por toda a geografia USA. Vão de autênticos (seica gardam uma caixa com lama do Mississippi baixo o escenário), mas para o meu gusto vai-se-lhes a pinça com caralhadas. Tenhem espaços para cear (bem caro, por suposto), e mesmo... para rezar! Mas logo não deixam entrar cámaras de fotos, nazis do caralho (Robert Johnson havia-os pôr de verão, se se erguesse da tumba). Eu de pardilho fixem caso à norma e não a levei, mas já vim que não é difícil meter uma, assi que para a próxima vez (que será em junho para TV On The Radio) haverá fotos próprias, se todo vai bem.


sábado, 16 de maio de 2009

Ninguém sabe como pode rematar

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Artigo escrito por María Cedrón, publicado o 13 de janeiro do 2009. Foto de Óscar París.

«Nadie sabe dónde puede acabar. Mira las Torres Gemelas... ¡Qué altas eran! Y mira cómo cayeron. Bastaron solo unos segundos... Escupí para arriba y me cayó encima». Ramón (nome falso porque não quer que os seus filhos se enterem de que vive na rua) fala com conhecimento. Hai quatro decênios, quando colheu por primeira vez o volante de um camião, nunca teria pensado que acabaria vivendo, com 66 anos, baixo a rampa de subida para o portal dum edifício do corunhês bairro de Elviña.

Aí se instalou hai aproximadamente dous meses este burgalês junto com a sua companheira, uma corunhesa de 48 anos com a qual convive hai mais de cinco. Na rua levam já três anos. Mas o céu é o único teito que podem pagar com uma única pensão de aposentadoria, a dum camioneiro retirado. «No te voy a decir cuánto cobro, pero es pequeña, muy pequeña. No llega para dos, pero no voy a pedir. Nunca pensé que pudiéramos acabar aquí», comenta. A sua companheira não recebe nada, nem a Renda de Integração Social da Galícia (Risga), uma ajuda que lhe denegárom duas vezes. «Con esa ayuda podríamos pagar una habitación y luego con lo que gano tendríamos para comer y los pequeños vicios», explica.

Ramón repassa a sua vida, enquanto descansa sentado sobre uma colcha que cobre uns cartões que o isolam do chão. Como apoio utiliza uma maleta negra, com rodas, que atopou num contêiner. Lembra os seus anos na estrada. «Conozco toda Europa, y de España y Galicia, rincón por rincón».

Antes de viver em Elviña instalaram-se numa rua cega que hai junto a estação do trem. «Teníamos todo muy curioso allí, incluso teníamos unos plásticos que cortaban el aire, pero Dolores [também nome fictício] estuvo enferma, en el hospital, y al volver alguien había quemado aquel rincón. Nos quedamos con lo puesto. Por eso tuvimos que mudarnos aquí», comenta.

Vida cotidiana

O pequeno espaço que ocupárom está mui limpo. «No queremos molestar a nadie», dim. Numa garrafa tenhem o sabão para lavar a louça, uma pequena lata fai as vezes de cinzeiro e noutra esquina gardam lixívia para desinfetar. Como vassoira utilizam uma ponla. Para lavar-se utilizam o serviço do albergue ou, às vezes, os deixam assear-se numa gasolineira que hai perto. Num lateral do seu pequeno lar, perfeitamente dobradas, gardam quatro mantas. São o único escudo que tenhem estes dias contra o frio. «A ella -pola sua mulher- las bajas temperaturas le están afectando bastante, aunque los vecinos se preocupan mucho y nos preguntan: ¿queréis alguna más? Incluso hay alguno que pasa por la mañana y nos da algo para que vayamos a tomar un café caliente. En Navidad nos trajeron de todo», comentam.

Agora agardam ajuda. Onte, explicam, um jovem da cruz Vermelha foi a vê-los. «Está viendo cómo tramitar la Risga y buscando un lugar en el que podamos vivir». É a sua esperança.

sábado, 9 de maio de 2009

Akron/Family, 5 de maio de 2009



O último disco de Akron/Family, "Set 'em wild, set 'em free", saiu à venda hai tão só 4 dias. Casualidades da vida, nessa mesma data vinham a Cambridge para tocar no Middle East, local do que se falou nestas páginas hai bem pouco (ainda que neste caso foi no escenário Downstairs, mais grande que o Upstairs da vez anterior). 


Graças ao pirateo internauta puidera escoitar o disco uns dias antes da sua publicação oficial, e a primeira impressão fora mui favorável. Até agora só conhecia deles o anterior "Love is simple" (2007), um bom disco que me recomendara especialmente Alberto, e este não me parece inferior. Seguem a ser um grupo especial, uma espécie de Incredible String Band do século XXI, devalando entre o pastorismo neohippie, a experimentação friki duns Animal Collective e alguns arrebatos de intensidade talvez devedores do post-rock. E, mais importante, seguem a fazer algumas fermosas canções, como por exemplo a quase country "Set 'em free" (Set 'em wild, set 'em wild, set 'em free...), a séria candidata a hino massivo -- num mundo melhor, claro -- "They will appear" (woh-oh-oh-ohhh!) ou a balada folk "The alps and their orange evergreen". Em suma, um grande disco cargado de boas razões para i-los ver ao vivo.

Especialmente porque, em opinião generalizada, é em direto onde Akron/Family oferecem o melhor de si mesmos. Não é uma dessas bandas que simplemente tocam uma seleção das suas canções, senão que se esforçam em criar um show com introdução, desenvolvimento, desenlace e coda. E fazendo um pouco o tolo polo meio... vamos, como deve ser. A actuação começa com o escenário baleiro e uma cinta que reproduze o som de uma fogueira de campamento, e em consonância saem os três membros da banda, cintas brancas na cabeça, para cantar bem baixinho com o único acompanhamento da guitarra. A partir de aí vai subindo a intensidade, com um repertório centrado sobre todo nos dous últimos discos (mira que bem, os que conheço). É-lhes doado obter a complicidade do público, já predisposto a corear "Love, love, love" e outras peças emblemáticas. Por vezes diria que lhes perde a tendência a alongar de mais as partes instrumentais, mas também é certo que não estava eu mui de humor para essas cousas. Já cara o final, semelham voltar-se tolos com a frenética "MBF" (mas quando a voltei escoitar na casa descubrim que todos os berros que soltárom eram exactamente iguais aos gravados no disco). E como despedida, outra vez a juntar as cabeças e a cantar como bós Boy Scouts.

A sério, uns Grandes da Americana. Nº 1 da semana em Arbolícia.


P.S. Antes dos Akron/Family tivem que papar 3 teloneiros, que bem me podia ter aforrado. Fôrom We are the arm (horteras sem graça, uns rapazes que querem voltar aos '80 que nunca vivérom; sem o talento da Fundación Tony Manero, ponho por caso), Faces on film (algo mais salváveis, estes polo menos aspiram a ser Band of Horses) e Brad Barr (um tio só com a sua guitarra, tocando blues, folk e o que caera, que se foi sorprendido de levar tantos aplausos -eu também). 

terça-feira, 28 de abril de 2009

Images da primavera em Novánglia (I)

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Patti Smith estaria orgulhosa da MIT Crew
Every night before I rest my head
See those dollar bills go swirling 'round my bed...
(Pintada na ponte do trem, a carom da minha rési)
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Boston desde a minha rési
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A tropa do Garden, cabreada

Estes dias, ao sair de casa, atopo-me com esta orgia de flores à beira do rio Charles

Stata Center, o mais estrafalário edifício da Universidade de Miskatonic: aqui tem o despacho Chomsky (oficina 32-D840)...

... mentres que o meu lab (3-143) está na mais sóbria e emblemática Killian Court (concretamente à esquerda)

domingo, 19 de abril de 2009

Noite de Garage no Middle East!

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The Fleshtones: grandes, enormes...

Para a minha primeira noite de concertos em Novánglia, nada melhor que acudir ao que os leitores de The Boston Phoenix consideram a melhor sala de rock de Boston e arredores: o Middle East. Cómpre sinalar que fôrom vencedores também nas categorias de "melhor local de Hip Hop", "melhor cozinha oriental" (!), e "porteiros mais tatuados" (!!). E é que é um sítio bem curioso, se o vemos com olhos europeus: conta com espaços que funcionam como restaurante, bar, e local de concertos (com 2 ambientes diferentes). Não é que lhe pense sacar moito partido ao do restaurante (é caro de mais para cear ali por sistema de passo que vas ver um concerto; melhor uma hamburguesa no Wendy's que está ao lado), mas si que lho penso sacar à sala de concertos, pois ademais de ter uma variada e selecta programação, está a apenas 15 minutos andando da minha casa.
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Assi que ali fum onte, sábado 18 de abril, disposto a desfrutar duma boa ração de garage-rock cozinhada por The Coffin Lids, The Nouvellas, The Lyres e The Fleshtones. Si, lestes bem: os Lyres e os Fleshtones, duma tacada...! e todo por tão só $10!! Não me explico como o sítio não se encheu (e isso que o cenário Upstairs é um simple tugúrio, nom mais grande do que a Fábrica de Chocolate -para que me entendam os de Vigo- ou o Mardi Gras -para os da Crunha), e é que não eramos ali mais de 100 persoas (!)... o único, que o público local esteja farto já de ver a estes grupos, que seguramente tenhem tocado dúzias de vezes por aqui. Por certo, não se podia fumar, e ainda assi os menores de 18 não podiam entrar -será por medo a que o rock'n'roll pervirta os rapazes? Manda caralho! Enfim, imos ao que nos importa:

9.15 p.m. THE COFFIN LIDS

Abrírom fogo os Coffin Lids, uma banda local que se define como "sour mash garage trash", mas que poderiamos catalogar mais brevemente como punkabilly. Velocidade, guitarras tocadas à altura dos jeonlhos e amplo surtido de tatuages. Nada do outro mundo, mas cumprírom com a sua função, que era fazer-nos entrar em calor.

10.15 p.m. THE NOUVELLAS

Mais interessantes resultárom The Nouvellas, banda neoiorquina que dava o seu primeiro concerto fora da Grande Maçã e que poderia chegar a dar que falar. Tocam um rock retro com aires soul/funk e tenhem boas canções, como o seu single "Satisfied": vede o vídeo e já me diredes se não deveria ser um pequeno hit... especialmente se estivéssemos em 1973. E o de ter como vocalistas a duas rapazinhas dá-lhes um toque diferente (para bem).

11.15 p.m. THE LYRES

Até o de agora todo bem, mas não era para isto que vinhera... eu queria ver umas lendas vivas do garage em acção! Afortunadamente, não tivem queixa.
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"We're the Lyres and we don't mind if we're ahead of our time, we're gonna start playing now!"

Com essa frase deu ordem de começar o concerto Jeff "Monoman" Conolly, o legendário lider de The Lyres. Não se referia a que estes ilustres bostonianos sejam pioneiros em nada musicalmente falando, que é todo o contrário. Singelamente, começárom a tocar 5 minutos antes do horário pre-estabelecido! E é que polo visto a puntualidade aqui chega a estremos enfermiços, superando à do Vera... Enfim, se alguém chegou tarde, má sorte para el, porque se perdeu o melhor do concerto: um começo apabulhante com "Don't give it up now", a peça com a que se abria a sua obra mestra, o LP "On Fyre" (1984), convertida no hino desta banda.

Não é que o show decaísse de aí em adiante; em absoluto. A magnética presença de Jeff, parapetado detrás dum órgano posto em primeirísimo plano, chega e sobra para encher o escenário: que cacho frontman! Vacilando todo o tempo entre canção e canção, mas sem chegar a esboçar nem médio sorriso, ponhendo e quitando os lentes de sol, preguntando-lhes aos músicos o que queriam tocar... mas isso por suposto não é o principal, senão o domínio que tem este grupo dos códigos do rock'n'roll, algo do que podem dar uma autêntica lição. Até o ponto de que, quando o concerto tocava ao seu fim, eu estava a piques de coroá-los de forma antecipada como vencedores da noite e preguntava-me se The Fleshtones seriam capazes de chegar à sua altura. Coitado de mim...

12.15 a.m. THE FLESHTONES


Senhoras e senhores, se estão sentados ponham-se em pé. Um respeito, porque isto são palavras maiores: "The Fleshtones! Real live rock'n'roll... in person!!" Isto, ou algo parecido, é o que berrava Peter Zaremba a duas quartas da minha cara, a pouco de começar o concerto, misturado já entre o público. Com efeito, nunca mais sentido cobrou a expressom "in person". The Fleshtones já começam o show quase pendurados sobre as primeiras filas, falam de ti a ti com o público, abraçam-se a eles, baixam um micro do escenário e deixa-no ali para que a gente faga os coros, componhem toda classe de coreografias, dam patadas ao ar... e todo isto sem deixar de produzir um remuínho de r'n'r capaz de pôr a bailar a todos os que ficárom estáticos durante os concertos anteriores.
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Que almorçarão estes tios? Zaremba tem 55 anos, mas quem me dera estar assi quando cumpra os 40! Juro que num momento dado chegou a ponher-se a fazer flexões no meio do público (lembrai que a banda nom para de tocar nunca)... mas se o pensas é normal: este tio está posuido, é incapaz de estar parado, e de algum jeito tem que soltar a energia que lhe sobra. Terá algo que ver o de ser de Queens, como os Ramones? Algo deveu passar por ali a mediados dos '70...

Que tal se lhe pedimos a Jeff, dos Lyres, que suba a tocar o órgano com nós? E Jeff sobe, claro. Que tal se fazemos a pirámide, com Keith Streng subido em riba de Zaremba e Ken Fox (ver foto em baixo)?



Que tal se colhemos todos os instrumentos, bombo incluido, e percorremos o garito a ver que atopamos? (os que não estivestes ali, podedes alviscar algo parecido neste video de "I'm not a sissie anymore" -por certo, vaia temazo- a partires do 1:40, mália que com bastante má qualidade de som. Para algo mais parecido em intensidade ao que estes são capazes de fazer, ver este outro, sem desperdício -deve ser de hai mais de 25 anos, mas os pavos seguem igual, devérom beber o mesmo elixir que Iggy Pop).



Enfim, obrigado, Peter Zaremba, por lembrar-nos que estamos, como ti dis, em "the hidden capital of rock'n'roll, Boston Massachusetts", e por fazer-no-lo crer (quem nom o creria, vivindo o que se estava a viver ali)? A questão é que a capital do r'n'r, amigos, é qualquer garito onde toquem The Fleshtones. Isto é o que vim, e nom podo mentir. O ano passado Man Man, The Mars Volta e Gogol Bordello subírom ao meu pódio de concertos em Arbolícia. Este ano o listão não vai baixar, está claro...

sábado, 11 de abril de 2009

Miaoqi Zhu

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Se o ano passado vivim a primavera em Planícia, este ano fago-o em Novánglia; mais ou menos na mesma latitude, mas com um océano em meio. Esta é uma terra a um tempo céltica e ameríndia, onde o vento é especialmente frio e a cerveja excelente -mágoa que não se poda comprar nos supermercados. A gente, porém, é como em todas partes: é também gente de Arbolícia. Como Miaoqi Zhu.
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Miaoqi Zhu não vive em Novánglia, senão em Indiánia, mas estivo por aqui assistindo a um congresso. Como el e um dos meus companheiros de apartamento eram amigos dende nenos, estivo uns dias vivindo connosco, e assi é como o conhecim. El tinha mais tempo livre que os meus companheiros e era simpático e sociável. E eu havia apenas uns dias que chegara, e não tinha ninguém com quem passar o tempo, assi que uma noite fomos cear os dous juntos. El queria ir a um restaurante chinês, mas não atopavamos nengum e na rua ia frio, assi que nos demos por vencidos e entramos num hindú, onde tirei esta foto.

Miaoqi Zhu nasceu e criou-se em Hefei, na China. Estudou psicologia ali, e hai dous anos cruzou o oceano para se estabeler nesta terra. Fala o inglês bastante bem, melhor do que a maioria dos seus compatriotas, mas ainda comete o clássico erro por querer ser correcto de mais: consciente do difícil que lhe resulta o "r", por vezes pronuncia-o mesmo quando deveria pronunciar "l".

Na sua cidade natal hai várias universidades, entre elas uma das mais prestigiosas da China. El pensa que a causa disso, por terem os seus vezinhos muitas oportunidades de aprender, estão mal acostumados e são preguiceiros. El não o é. Está decidido a trabalhar e sair adiante. Tivo sorte, não todos tivérom a oportunidade de buscar-se a vida nas condições em que o fai el, estudando um master numa boa universidade americana. Os seus pais, a sua família, estão orgulhosos del e querem que saia adiante, que triunfe, que o consiga. Por isso apoiam que esteja aqui, tão longe deles. Nestes dous anos não voltou nem uma soa vez, nem por uma semana. Tampouco o vinhérom visitar. El di que não quer voltar, que tampouco tem morrinha. Não sabe quando os volverá a ver, talvez nunca.

Eu penso nos seus pais em Hefei e pregunto-me a mim mesmo se quereria ter filhos e criá-los tão só para botá-los ao mundo e não voltá-los a ver.